O Campesinato e a Classe Operária

V. I. Lénine

30 de Maio (12 de Junho) de 1913

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Transcrição autorizada

Escrito: em 30 Maio (12 de Junho) de 1913
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1986, t2, pp 102-104.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.23, pp. 233-235.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

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Nos jornais e revistas populistas encontramos frequentemente a afirmação segundo a qual os operários e o campesinato «trabalhador» constituem uma mesma classe.

A total inexactidão desta concepção é evidente para qualquer pessoa que compreenda que em todos os Estados modernos domina a produção capitalista mais ou menos desenvolvida, isto é, que o capital domina no mercado e transforma a massa dos trabalhadores em operários assalariados. O chamado camponês «trabalhador» é na realidade um pequeno patrão ou um pequeno burguês, que quase sempre ou se assalaria para outros ou assalaria ele próprio operários. O camponês «trabalhador», sendo um pequeno patrão, oscila também no plano político entre os patrões e os operários, entre a burguesia e o proletariado.

Uma das mais evidentes confirmações dessa natureza patronal, ou burguesa, do camponês «trabalhador» é constituída pelos dados sobre o trabalho assalariado na agricultura. Os economistas burgueses (incluindo os populistas) exaltam habitualmente a «vitalidade» da pequena produção na agricultura, entendendo por pequena exploração aquela que não recorre ao trabalho assalariado. Mas eles não gostam de dados precisos sobre o trabalho assalariado entre os camponeses!

Vejamos então os dados recolhidos sobre esta questão pelos mais recentes recenseamentos agrícolas: o austríaco de 1902 e o alemão de 1907.

Quanto mais desenvolvido é o país mais forte é o trabalho assalariado na agricultura. Na Alemanha, de um número total de 15 milhões de operários, contam-se na agricultura 4,5 milhões de operários assalariados, ou seja, 30%; na Áustria de 9 milhões de operários, 1,25 milhões, ou seja, cerca de 14%. Mas mesmo na Áustria, se considerarmos as explorações habitualmente classificadas como camponesas (ou «laboriosas»), concretamente aquelas que têm de 2 a 20 hectares (um hectare é igual a 9/10 de deciatina) de terra, veremos um significativo desenvolvimento do trabalho assalariado. As explorações com 5 a 10 hectares são 383 000; delas, 126 000 têm assalariados. As explorações com 10 a 20 hectares são 242 000 e delas 142 000 (isto é, cerca de 3/5) têm assalariados.

Deste modo, a pequena agricultura camponesa («trabalhadora») explora centenas de milhares de operários assalariados. Quanto maior é a exploração camponesa maior é o número de operários assalariados e ao mesmo tempo mais significativa a composição da mão-de-obra familiar. Por exemplo, na Alemanha, em cada 10 explorações camponesas contam-se:

Exploração Mão-de-obra familiar Assalariados Total
Com 2 a 5 hectares 25 4 29
Com 5 a 10 hectares 31 7 38
Com 10 a 20 hectares 34 17 51

Os camponeses mais abastados, que têm mais terras e um maior número de trabalhadores «próprios» na família, empregam além disso um maior número de assalariados.

Na sociedade capitalista, inteiramente dependente do mercado, a pequena produção (camponesa) maciça na agricultura é impossível sem a utilização maciça de trabalho assalariado. A palavrinha suave camponês «trabalhador» apenas serve para enganar o operário, dissimulando essa exploração do trabalho assalariado.

Na Áustria, cerca de 1,5 milhões de explorações camponesas (de 2 a 20 hectares) empregam meio milhão de operários assalariados. Na Alemanha, 2 milhões de explorações camponesas empregam mais de 1,5 milhões de operários assalariados.

E os proprietários mais pequenos? Eles próprios trabalham como assalariados! Eles são assalariados que possuem um pedaço de terra. Por exemplo, na Alemanha, as explorações que têm menos de 2 hectares são cerca de 3,33 milhões (3 378 509). Nesse número, os agricultores independentes são menos de meio milhão (474 915) e os operários assalariados um pouco menos de 2 milhões (1 822 792)!!

Deste modo, a própria situação dos pequenos agricultores na sociedade contemporânea transforma-os inevitavelmente em pequenos burgueses. Eles oscilam incessantemente entre os operários assalariados e os capitalistas. A maioria dos camponeses vivem na pobreza e arruínam-se, transformando-se em proletários, e a minoria pende para os capitalistas e apoia a dependência em que estes mantêm as massas da população rural. Por isso em todos os países capitalistas o campesinato na sua massa permanece até hoje afastado do movimento socialista dos operários, aderindo a diferentes partidos reaccionários e burgueses. Só uma organização independente dos operários assalariados, que trave uma consequente luta de classe, é capaz de arrancar o campesinato à influência da burguesia e de esclarecê-lo acerca da situação sem saída dos pequenos produtores na sociedade capitalista.

Na Rússia, a posição dos camponeses em relação ao capitalismo é absolutamente idêntica à que vemos na Áustria, na Alemanha, etc. A nossa «peculiaridade» é o nosso atraso: o camponês tem pela frente não ainda o grande proprietário capitalista, mas o grande proprietário feudal, que é o principal esteio do atraso económico e político da Rússia.


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Inclusão 04/09/2016