As Crises Comerciais na Inglaterra – O Movimento Cartista – Irlanda(1)

Frederich Engels

26 de Outubro de 1847


Primeira publicação: Escrito em 23 de outubro de 1847; Publicado pela primeira vez em La Réforme, 26 de outubro de 1847.
Fonte: Marx-Engels Collected Works, volume 6, p.307.
Tradução: Rafael Duarte Oliveira Venancio, novembro de 2008.
HTML: Fernando Araújo.
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A crise comercial na qual a Inglaterra se encontra exposta no momento é, realmente, mais severa do que qualquer uma das crises anteriores. Nem em 1837, nem em 1842, a recessão era tão universal como agora. Todos os setores da vasta indústria inglesa foram paralisados no ápice de seu desenvolvimento; em todo lugar há estagnação, em todo lugar ninguém vê nada além de trabalhadores jogados nas ruas. Não podemos deixar de dizer que tal cenário proporciona o crescimento da insatisfação entre os trabalhadores que, explorados pelos industriais durante o período de prosperidade comercial, agora se encontram demitidos em massa e abandonados ao seu próprio destino. Conseqüentemente, encontros de trabalhadores descontentes estão crescendo rapidamente. The Northern Star, o órgão dos trabalhadores cartista, usa mais de sete de suas largas colunas para noticiar os encontros realizados na semana passada;(2) a lista de encontros anunciados para a semana atual ocupa outras três colunas. O mesmo jornal menciona a brochura publicada por um trabalhador, o Sr. John Noakes,(3) na qual o autor faz um ataque aberto e direto ao direito da aristocracia de possuir suas terras.

“O solo inglês,” ele afirma, “é de propriedade do povo, do qual nossos aristocratas retiraram tanto por força como por falcatruas. O povo precisa ver que o seu direito inalienável de propriedade prevalece; a renda das terras deveria ser de propriedade pública e usada para o interesse do público. Talvez eu deva escutar que essas idéias são revolucionárias. Revolucionárias ou não, isso não é o importante; se as pessoas não podem obter o que elas precisam em uma lei, elas devem conseguir sem a lei.”

Não é visto de forma surpreendente que, nessas circunstâncias, os cartistas utilizam as medidas mais incomuns; o seu líder, o famoso Feargus O'Connor, acabou de anunciar que irá, em breve, para a Escócia, onde ele convocará encontros em todas as cidades e coletará assinaturas para a petição nacional do People’s Charter, que será mandada para o próximo Parlamento. Ao mesmo tempo, ele anunciou que, antes da abertura do Parlamento, a imprensa cartista será ampliada com a adição de um jornal diário, o Democrat.(4)

Deve ser relembrado que nas últimas eleições, o Sr. Harvey, o editor-chefe do The Northern Star, foi nomeado como o candidato cartista por Tiverton, uma cidade que é representada no Parlamento pelo Lorde Palmerston, o Secretário de Assuntos Exteriores. O Sr. Harney, que ganhou na consulta pública, decidiu se retirar quando Lorde Palmerston solicitou um pleito.(5) Agora, algo aconteceu que nos mostra como os sentimentos dos habitantes de Tiverton diferem daqueles representados pelo pequeno número de eleitores parlamentares. Havia uma vaga no conselho municipal; os eleitores municipais, uma classe mais numerosa do que a dos eleitores parlamentares, deu o lugar vago ao Sr. Rowcliffe, a pessoa que propôs o Sr. Harney nas eleições. Além disso, os cartistas estão se preparando por toda a Inglaterra para as eleições municipais que acontecerão por todo o país no começo de Novembro.

Mas vamos voltar agora para o maior distrito industrial inglês, Lancashire, uma parte do país que sofreu com o peso da estagnação industrial mais do que qualquer outra. A situação em Lancashire é alarmante no seu mais alto grau. A maioria das fábricas já pararam inteiramente e aquelas que ainda estão operando contratam seus trabalhadores por apenas dois ou três dias por semana. Mas isso não é tudo: os industriais de Ashton, uma cidade muito importante para a indústria do algodão, anunciou a seus trabalhadores que, em uma semana, eles irão reduzir os salários em 10%. Essas notícias, que estão causando alarme entre os trabalhadores, estão se espalhando pelo país. Alguns dias depois disso, um encontro de delegados dos trabalhadores de todo o país foi sediado em Manchester; esse encontro resolveu enviar uma comissão para os patrões para convencê-los a não prosseguirem com a redução ameaçada e, se essa comissão não alcançasse nenhum resultado, seria anunciado uma greve de todos os trabalhadores empregados na indústria de algodão de Lancashire. Essa greve, junto com a greve dos metalúrgicos e mineiros de Birmingham que já foi iniciada, não falharia em adquirir as mesmas dimensões alarmantes que foram sinalizadas pela última greve geral, aquela de 1842.(7)  Ela poderia se transformar muito bem em algo mais ameaçador para o governo.

Ao mesmo tempo, uma Irlanda faminta está balançando nas mais terríveis convulsões. As workhouses estão repletas de mendigos, os decadentes proprietários de terra estão se recusando a pagar a Taxa dos Pobres, e os famintos se reúnem aos milhares para espoliar os celeiros e galpões de gado dos fazendeiros e até dos padres católicos, que eram sagrados para eles há pouco tempo.

Parece, tal como acreditaram, que os irlandeses não morrerão de fome tão calmamente no próximo inverno como aconteceu no inverno passado. A imigração irlandesa para Inglaterra está cada dia mais alarmante. Estima-se uma média de 50 mil irlandeses chegando por ano; o número, até agora, desse ano já está acima dos 220 mil. Em Setembro, 345 estavam chegando diariamente e, em Outubro, esse quadro aumentou para 511. Isso significa que a competição entre trabalhadores ficará maior e não será surpreendente se a crise atual causar tal comoção que obrigará o governo a conceder reformas da mais importante natureza.


Notas de rodapé:

(1) Nota 128 do volume 6 do MECW:  Com esse artigo Engels começou a contribuir para o jornal dos republicanos democratas franceses e socialistas pequeno-burgueses, La Réforme. Determinado a usar a imprensa radical francesa para espalhar as idéias comunistas e promover unidade internacional do proletariado revolucionário e dos círculos democráticos nos países europeus, Engels estabeleceu contatos próximos com os editores de La Réforme no outono de 1847. Em sua carta para Marx em 25 de outubro de 1847, ele escreveu que fez acordos com Ferdinand Flocon, um dos editores, para a publicação semanal de um artigo sobre a situação na Inglaterra. Engels queria popularizar na França o movimento cartista e o material da imprensa cartista, especialmente o The Northern Star. O artigo que Engels propôs para Flocon (que, primeiramente, era para a informação pessoal de Flocon) foi publicado, como o próprio Engels relata, sem nenhuma alteração. (retornar ao texto)

(2) Nota do Tradutor: “Notas sobre os encontros cartistas”, publicada no The Northern Star em 16 de outubro de 1847. (retornar ao texto)

(3) NT: Provavelmente, O Direito da Aristrocacia ao solo, de John Noakes. A notícia sobre sua publicação apareceu no The Northern Star em 23 de outubro de 1847. (retornar ao texto)

(4) Nota 129 do volume 6 do MECW: O lançamento previsto do jornal diário cartista Democrat não se materializou. (retornar ao texto)

(5) Nota 130(6) do volume 6 do MECW: Só um pequeno círculo de pessoas com qualificação eleitoral fazem parte do pleito. (retornar ao texto)

(6) NT: A nota 130 do volume 6 do MECW faz referência à nota 46 que diz que “a votação nesses encontros (até 1872) era por consulta pública [show of hands] e todos os presentes podiam participar. No entanto, apenas eleitores ‘legítimos’ (aqueles que tinham propriedade e outras qualificações) podiam participar  do pleito – no qual, conseqüentemente, candidatos que tinham perdido na consulta popular podiam ser declarados eleitos”. (retornar ao texto)

(7) Nota 131 do volume 6 do MECW: Sobre a greve geral inglesa em 1842, ver nota 10 do volume 6 do MECW. Por sua vez, a nota 10 do volume 6 do MECW diz que “a referência é aos eventos revolucionários de Agosto de 1842 na Inglaterra quando, em condições de crise econômica e aumento de pobreza, manifestações violentas de trabalhadores aconteceram nas regiões industriais. Em Lancashire e em uma grande parte de Cheshire e Yorkshire, greves se tornaram gerais, e em alguns lugares se transformaram em insurreições espontâneas. O governo retaliou com várias prisões de líderes cartistas, que depois receberam sentenças severas”. (retornar ao texto)

Inclusão: 26/11/2008