Miséria da Filosofia
Resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon

Karl Marx


Capítulo II — A Metafísica da Economia Política
§ III — A Concorrência e o Monopólio


capa
Lado bom da concorrência "A concorrência é tão essencial ao trabalho como a divisão... Ela é necessária ao advento da igualdade."
Lado mau da concorrência "O princípio é a negação de si mesmo. Seu efeito mais certo é de perder aqueles que arrasta."
Reflexão geral "Os inconvenientes que a acompanham, do mesmo modo que o bem que determina..., decorrem logicamente uns e outros do princípio."
Problema a resolver "Saber qual o princípio de acomodação que deve derivar de uma lei superior à própria liberdade."
VARIANTE
"Não se poderia, pois, falar aqui em destruir a concorrência, coisa tão impossível quanto destruir a liberdade; trata-se de encontrar o equilíbrio, diria mesmo de boa vontade a polícia."

O sr. Proudhon começa por defender a necessidade eterna da concorrência contra os que querem substituí-la pela emulação.

Não existe "emulação sem objetivo", e como o "objeto de toda a paixão é necessariamente análogo à paixão, de uma mulher para o amante, do poder para o ambicioso, do ouro para o avaro, uma coroa para o poeta, o objeto da emulação industrial é necessariamente o lucro. A emulação não é outra coisa senão a própria concorrência."

A concorrência é a emulação tendo em vista o lucro. A emulação industrial será necessariamente a emulação tendo em vista o lucro, ou seja, a concorrência? O sr. Proudhon prova-o ao afirmá-lo. Vimo-lo afirmar, para ele, é provar, do mesmo modo como supor é negar.

Se o objeto imediato do amante é a mulher, o objeto imediato da emulação industrial é o produto e não o lucro.

A concorrência não é a emulação industrial, é a emulação comercial. Em nossos dias, a emulação industrial só existe tendo em vista o comércio. Há mesmo fases na vida econômica dos povos modernos em que toda gente é tomada de uma espécie de vertigem para obter lucro sem produzir. Esta vertigem de especulação, que ocorre periodicamente, põe a nu o verdadeiro caráter da concorrência que procura escapar à necessidade da emulação industrial.

Se disséssemos a um artesão do século XIV que os privilégios e toda a organização feudal da indústria iam ser suprimidos para se colocar em seu lugar a emulação industrial, a chamada concorrência, ele nos teria respondido que os privilégios das diversas corporações, mestrados, juízos de ofício, são a concorrência organizada. O sr. Proudhon não diz melhor ao afirmar que "a emulação não é outra coisa senão a própria concorrência".

"Ordenai que a partir de 1.° de janeiro de 1847 o trabalho e o salário sejam garantidos para toda gente: um imenso relaxamento de esforços sucederá sem demora à ardente tensão da indústria."

Em vez de uma suposição, de uma afirmação e de uma negação, temos agora uma ordem que o sr. Proudhon dá expressamente para provar a necessidade da concorrência, sua eternidade como categoria, etc.

Se se imaginar que não é preciso senão dar ordens para sair da concorrência, dela não se sairá jamais. E se se levarem as coisas até o ponto de propor a abolição da concorrência, conservando ao mesmo tempo o salário, ter-se-á proposto um contrassenso por decreto real. Mas os povos não procedem por meio de decreto real. Antes que tais ordens sejam baixadas, eles devem pelo menos ter mudado de alto a baixo suas condições de existência industrial e política, e, como consequência, toda a sua maneira de ser.

O sr. Proudhon responderá com sua imperturbável segurança que essa é a hipótese "de uma transformação de nossa natureza sem antecedentes históricos", e que teria o direito "de nos desviar da discussão", não sabemos em virtude de que decreto.

O sr. Proudhon ignora que a história inteira não é senão uma transformação contínua da natureza humana.

"Fiquemos nos fatos. A Revolução francesa foi feita tanto visando a liberdade industrial quanto a liberdade política; e ainda que a França, em 1789, não tenha percebido todas as consequências do princípio de que pedia a realização, digamo-lo em voz alta, ela não se enganou nem nos seus desejos, nem na sua expectativa. Qualquer pessoa que tentasse negá-lo perderia na minha opinião o direito à crítica: não discutiria jamais com um adversário que apresentasse como princípio o erro espontâneo de vinte e cinco milhões de homens... Por que pois, se á concorrência não tivesse sido um princípio de economia social, um decreto do destino, uma necessidade da alma humana, por que, em vez de abolir as corporações, mestrados e juízos de ofício, não se cuidou de reparar o todo?"

Assim, pois que os franceses do século XVIII aboliram as corporações, mestrados e juízos de ofício em vez de modificá-los, os franceses do século XIX devem modificar a concorrência em vez de aboli-la. Pois que a concorrência foi estabelecida na França, no século XVIII, como consequência de necessidades históricas, esta concorrência não deve ser destruída no século XIX, por motivo de outras necessidades históricas. O sr. Proudhon, não compreendendo que o estabelecimento da concorrência se ligava ao desenvolvimento real dos homens do século XVIII, faz da concorrência uma necessidade da alma humana, IN PARTIBUS INFIDELIUM(1). Que teria ele feito do grande Colbert, no que diz respeito ao século XVII?

Depois da Revolução vem o presente estado de coisas. O sr. Proudhon aqui também seleciona fatos para mostrar a eternidade da concorrência, provando que todas as indústrias nas quais esta categoria não é ainda bastante desenvolvida, como na agricultura, estão num estado de inferioridade, de caducidade.

Dizer que há indústrias que ainda não estão à altura da concorrência, que outras ainda estão abaixo do nível da produção burguesa, é um palavreado que não prova de nenhum modo a eternidade da concorrência.

Toda a lógica do sr. Proudhon se resume nisto: a concorrência é uma relação social na qual desenvolvemos atualmente nossas forças produtivas. Ele dá a esta verdade, não desenvolvimentos lógicos, mas formas muitas vezes muito bem desenvolvidas, dizendo que a concorrência é a emulação industrial, o modo atual de ser livre, a responsabilidade no trabalho, a constituição do valor, uma condição para o advento da igualdade, um princípio de economia social, um decreto do destino, uma necessidade da alma humana, uma inspiração da justiça eterna, a liberdade na divisão, a divisão na liberdade, uma categoria econômica.

"A concorrência e a associação apoiam-se uma na outra. Longe de se excluírem, elas não são sequer divergentes. Quem diz concorrência, já supõe fim comum. A concorrência não é, pois, o egoísmo, e o erro mais deplorável do socialismo é de a ter considerado como a ruína da sociedade."

Quem diz concorrência diz fim comum, e isso prova, de um lado, que a concorrência é a associação; de outro, que a concorrência não é o egoísmo. E quem diz egoísmo não diz fim comum? Cada egoísmo se exerce na sociedade e pelo fato da existência da sociedade, isto é, dos fins comuns, das necessidades comuns, dos meios de produção comuns, etc., etc. Seria, por acaso, por isso que a concorrência e a associação de que falam os socialistas não são nem mesmo divergentes?

Os socialistas sabem muito bem que a sociedade atual é fundada na concorrência. Como poderiam eles acusar a concorrência pelo derrubamento da sociedade atual, que eles próprios querem derrubar? E como poderiam acusar a concorrência pelo derrubamento da sociedade futura, na qual eles veem, pelo contrário, o derrubamento da concorrência?

O sr. Proudhon diz, mais ainda, que a concorrência é o oposto do monopólio, e que, por consequência, ela não poderia ser o oposto da associação.

O feudalismo opunha-se, desde a sua origem, à concorrência, que ainda não existia. Seguir-se-ia que a concorrência não se opõe ao feudalismo?

De fato, sociedade, associação são denominações que se podem dar a todas as sociedades, tanto à sociedade feudal como à sociedade burguesa, que é a associação fundada na concorrência. Como, pois, poderá haver socialistas que somente com a palavra associação acreditam poder refutar a concorrência? E como o próprio sr. Proudhon poderá querer defender a concorrência contra o socialismo designando a concorrência apenas pela palavra de associação?

Tudo o que acabamos de dizer constitui o lado bonito da concorrência, tal como o entende o sr. Proudhon. Passemos agora ao lado mau, ou seja, ao lado negativo da concorrência, a seus inconvenientes, àquilo que ela tem de destruidor, de subversivo, de qualidades malfazejas.

O quadro que o sr. Proudhon nos apresenta tem algo de lúgubre.

A concorrência engendra a miséria, fomenta a guerra civil, "muda as zonas naturais", confunde as nacionalidades, perturba as famílias, corrompe a consciência pública, "subverte as noções de equidade, de justiça", de moral e, o que é pior, destrói o comércio probo e livre e não dá em compensação nem mesmo o valor sintético, o preço fixo e honesto. Ela desencanta toda gente, mesmo os economistas. Ela leva as coisas até o ponto de destruírem-se a si mesmas.

Depois de tudo o que o sr. Proudhon disse de mal, poderá haver para as relações da sociedade burguesa, para seus prin- (neste ponto há uma falha na edição transcrita - o texto em colchetes a seguir foi extraído da edição da Editora Leitura, Rio, 1955) [princípios e suas ilusões, um elemento mais dissolvente e mais destruidor que a concorrência?]

Notemos bem que a concorrência se torna cada vez mais destruidora para as relações burguesas, à medida que excita para uma criação febril novas forças produtivas, isto é, as condições materiais de uma sociedade nova. Sob este aspecto, pelo menos, o lado mau da concorrência teria algo de bom.

"A concorrência como posição ou fase econômica considerada em sua origem é o resultado necessário... da teoria das despesas gerais."

Para o sr. Proudhon, a circulação do sangue deve ser uma consequência da teoria de Harvey.

"O monopólio é o termo fatal da concorrência, que o engendra por uma negação incessante dela mesma. Esta formação do monopólio é já a sua justificação... O monopólio é o oposto natural da concorrência... mas desde que a concorrência é necessária, ela implica a ideia do monopólio, pois que o monopólio é como a sede de cada individualidade concorrente."

Regozijamo-nos com o sr. Proudhon pelo fato de ter podido aplicar bem, uma vez pelo menos, a sua fórmula de tese e antítese. Toda gente sabe que o monopólio moderno é engendrado pela própria concorrência.

Quanto ao conteúdo, o sr. Proudhon se limita a imagens poéticas. A concorrência fazia "de cada subdivisão do trabalho como que uma soberania em que cada indivíduo se colocava com sua força e independência". O monopólio é "a sede de cada individualidade concorrente". A soberania vale pelo menos a sede.

O sr. Proudhon não fala senão do monopólio moderno engendrado pela concorrência. Mas nós sabemos todos que a concorrência foi engendrada pelo monopólio feudal. Assim, primitivamente, a concorrência foi o contrário do monopólio, e não o monopólio o contrário da concorrência. Logo, o monopólio moderno não é uma simples antítese, é, ao contrário, a verdadeira síntese.

Tese: O monopólio feudal anterior à concorrência.

Antítese: A concorrência.

Síntese: O monopólio moderno, que é a negação do monopólio feudal na medida em que ele supõe o regime da concorrência, e que é a negação da concorrência na medida em que é monopólio.

Assim, o monopólio moderno, o monopólio burguês, é o monopólio sintético, a negação da negação, a unidade dos contrários. É o monopólio no estado puro, normal, racional. O sr. Proudhon está em contradição com sua própria filosofia quando faz do monopólio burguês o monopólio no estado cru, simplista, contraditório, espasmódico. O sr. Rossi, que o sr. Proudhon cita várias vezes a propósito do monopólio, parece ter melhor compreendido o caráter sintético do monopólio burguês. Em seu Cours d’Économie polítique, ele estabelece distinção entre os monopólios artificiais e os monopólios naturais. Os monopólios feudais, diz ele, são artificiais, isto é, arbitrários; os monopólios burgueses são naturais, isto é, racionais.

O monopólio é uma boa coisa, argumenta o sr. Proudhon, pois que é uma categoria econômica, uma emanação "da razão impessoal da humanidade". A concorrência é também uma boa coisa, pois que é, ela também, uma categoria econômica. Mas o que não é bom é a realidade do monopólio e a realidade da concorrência. E o que é ainda pior é que a concorrência e o monopólio se devoram mutuamente. Que fazer? Procurar a síntese destes dois pensamentos eternos, arrancá-la do seio de Deus onde se encontra desde tempos imemoriais.

Na vida prática, encontra-se não somente a concorrência, o monopólio e o antagonismo de ambos, mas também sua síntese, que não é uma fórmula, mas um movimento. O monopólio produz a concorrência, a concorrência produz o monopólio. Os monopólios fazem concorrência uns aos outros, os concorrentes tornam-se monopolizadores. Se os monopolizadores restringem a concorrência entre eles por meio de associações parciais, a concorrência aumenta entre os operários; e quanto mais a massa dos proletários aumenta diante dos monopolizadores de uma nação, mais a concorrência se torna desenfreada entre os monopolizadores das diferentes nações. A síntese é tal que o monopólio não pode se manter senão passando continuamente pelos embates da concorrência.

Para engendrar dialeticamente os impostos que vêm depois do monopólio, o sr. Proudhon nos fala do gênio social que, depois de haver seguido intrepidamente o seu caminho em zigue-zague,

"depois de ter andado com passo seguro, sem arrependimento e sem parada, depois de ter chegado ao ângulo do monopólio, dirige para trás um olhar melancólico, e após uma reflexão profunda, sobrecarrega de impostos todos os objetos da produção, e cria, toda uma organização administrativa, a fim de que todos os empregos sejam entregues ao proletariado e pagos pelos homens do monopólio".

Que dizer deste gênio que, estando em jejum, passeia em zigue-zague? E que dizer deste passeio que não teria outro fim senão de aniquilar os burgueses por meio dos impostos, enquanto que os impostos servem precisamente para dar aos burgueses os meios de se conservarem como classe dominante?

Somente para fazer entrever a maneira como o sr. Proudhon trata os detalhes econômicos, bastará dizer que, segundo ele, o imposto sobre o consumo teria sido estabelecido tendo em vista a igualdade e como meio de auxílio ao proletariado.

O imposto sobre o consumo não teve o seu verdadeiro desenvolvimento senão depois do advento da burguesia. Nas mãos do capital industrial, ou seja da riqueza sóbria e econômica que se mantém, se reproduz e aumenta pela exploração direta do trabalho, o imposto sobre o consumo era um meio de explorar a riqueza frívola, feliz, pródiga dos grandes senhores que não faziam outra coisa senão consumir. James Stuart expôs muito bem este objetivo primitivo do imposto sobre o consumo nas suas Pesquisas sobre os princípios da Economia política, que publicou dez anos antes de A. Smith.

"Na monarquia pura, diz ele, os príncipes parecem algo enciumados com o aumento das riquezas, e majoram por isso os impostos visando aqueles que se tornam ricos — impostos sobre a produção. No governo constitucional, eles visam principalmente aqueles que se tornam pobres — impostos sobre o consumo. Assim, os monarcas criam um imposto sobre a indústria;... por exemplo a captação e o imposto sobre as propriedades dos plebeus estão em proporção com a opulência suposta daqueles que a elas estão sujeitos. Cada pessoa é taxada de acordo com o lucro que se supõe que aufira. Nos governos constitucionais, os impostos são cobrados geralmente sobre o consumo. Cada pessoa é taxada de acordo com a despesa que faz."

Quanto à sucessão lógico dos impostos, da balança do comércio, do crédito — observaremos somente que a burguesia inglesa, que chegou no reinado de Guilherme de Orange à sua constituição política, criou de uma só vez um novo sistema de impostos, o crédito público e o sistema dos direitos de proteção, assim que se viu no estado de desenvolver livremente suas condições de existência.

Este apanhado bastará para dar ao leitor uma ideia justa das elucubrações do sr. Proudhon sobre a polícia e o imposto, a balança do comércio, o crédito, o comunismo e a população. Desafiamos a mais indulgente das críticas a tratar estes capítulos de maneira séria.


Notas de rodapé:

(1) Fora da realidade (literalmente, "nos países ocupados pelos infiéis": diz-se do bispo católico, cujo título é puramente honorífico). [nota da edição da Editora Leitura, Rio, 1955] (retornar ao texto)

Inclusão 12/04/2013