Mensagem à União Operária Nacional dos Estados Unidos[N96]

Karl Marx

12 de Maio de 1869

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Primeira Edição: Publicado como um folheto com o título Adress to the National Labour Union of the United States, London, 1869.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!"
Tradução: José BARATA-MOURA (Publicado segundo o texto do folheto. Traduzido do inglês.)
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, novembro 2007.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.


capa

Camaradas operários,

No programa iniciador da nossa Associação afirmámos:

«Não foi a sabedoria das classes dominantes, mas a resistência heróica das classes operárias de Inglaterra à sua loucura criminosa, que salvou o Ocidente da Europa de mergulhar de cabeça numa cruzada infame pela perpetuação e propagação da escravatura do outro lado do Atlântico.»(1*)

Chegou agora a vossa vez de impedir uma guerra cujo resultado mais claro seria o de fazer recuar, por um período indefinido, o movimento ascendente da classe operária de ambos os lados do Atlântico.

Quase que não precisamos de vos dizer que existem potências europeias ansiosamente determinadas a arrastar os Estados Unidos para uma guerra com a Inglaterra. Uma vista de olhos às estatísticas comerciais mostrará que a exportação russa de matérias-primas [raw produce] — e a Rússia não tem mais nada para exportar — estava a ceder rapidamente ante a concorrência americana, até que a guerra civil[N4] subitamente inverteu as posições. Converter as relhas do arado americanas em espadas salvaria precisamente agora da bancarrota iminente aquela potência despótica que os vossos estadistas republicanos, na sua sageza, escolheram para seu conselheiro confidencial. Mas, muito para além dos interesses particulares deste ou daquele governo, não é do interesse geral dos nossos opressores comuns transformar a nossa cooperação internacional que cresce rapidamente numa guerra exterminadora?

Numa mensagem de congratulações ao Sr. Lincoln pela sua reeleição como presidente, expressámos a nossa convicção de que a guerra civil americana se mostraria de tão grande importância para o avanço da classe operária como a guerra da independência americana 13 se mostrou para o da classe média(2*). E, em matéria de facto, a conclusão vitoriosa da guerra contra a escravatura abriu uma nova época nos anais da classe çperária. Nos próprios Estados [Unidos](3*), ganhou vida desde essa data um movimento operário independente, mal visto pelos vossos velhos partidos e pelos seus políticos profissionais. Para frutificar requer anos de paz. Para o esmagar, é requerida uma guerra entre os Estados Unidos e a Inglaterra.

O outro efeito palpável da guerra civil foi, é claro, o de deteriorar a posição do operário americano. Nos Estados Unidos, tal como na Europa, o monstro incubo de uma dívida nacional passou de mão em mão para [acabar por] recair sobre os ombros da classe operária. Os preços dos meios de subsistência [necessaries] — diz um dos vossos estadistas — subiram, desde 1860, 78 por cento, enquanto os salários do trabalho não qualificado subiram 50 por cento e os do trabalho qualificado apenas 60 por cento.

«O pauperismo», queixa-se ele, «cresce agora na América mais depressa do que a população.»

Além disso, os sofrimentos das classes operárias fazem ressaltar por contraste o luxo novo-rico de aristocratas financeiros, de aristocratas feitos à pressa[N97] e de vermes similares alimentados por guerras. E, apesar disto tudo, a guerra civil foi de facto compensadora por ter libertado o escravo e pelo consequente ímpeto moral que deu ao vosso próprio movimento de classe. Uma segunda guerra — não santificada por um propósito sublime e uma grande necessidade social, mas do tipo do Velho Mundo — forjaria cadeias para o trabalhador livre em vez de despedaçar as do escravo. A miséria acrescida deixada no seu rasto forneceria imediatamente aos vossos capitalistas o motivo e os meios para divorciar a classe operária das suas arrojadas e justas aspirações pela espada desalmada de um exército permanente.

De vós depende, então, a tarefa gloriosa de provar ao mundo que agora, por fim, as classes operárias estão a pisar a cena da história, não mais como seguidores servis mas como actores independentes, conscientes da sua própria responsabilidade e capazes de impor a paz ali onde os seus pretensos amos gritam guerra.

Londres, 12 de Maio de 1869.


Notas de rodapé:

(1*) Ver "Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores", (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(2*) Ver "A Abraham Lincoln, Presidente dos Estados Unidos da América". (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Marx emprega aqui apenas a designação States. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N4] A Guerra Civil na América (1861-1865) opôs, nos Estados Unidos, os Estados industriais do Norte e os Estados escravistas do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura. A classe operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa, que apoiava os plantadores escravistas, e impediu a ingerência da Inglaterra na Guerra Civil nos Estados Unidos. (retornar ao texto)

[N96] A Mensagem do Conselho Geral à União Operária Nacional foi redigida por Marx e lida por ele em 11 de Maio, na sessão do Conselho Geral a propósito da ameaça de guerra entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos na Primavera de 1869.
A União Operária Nacional foi criada nos Estados Unidos em Agosto de 1866, em Baltimore. Desde o momento da sua criação, a União apoiou a Associação Internacional dos Trabalhadores e dispôs-se a aderir a ela em 1870. Esta intenção, contudo não se realizou. A direcção da União em breve se deixou levar por projectos utópicos de reforma monetária cujo objectivo era a supressão do sistema bancário e concessão pelo Estado de crédito barato. Em 1870-1871, as irade unions desligaram-se da União, que deixou de facto de existir em 1872. Apesar de todas as suas debilidades, a União Operária Nacional desempenhou um importante papel no desenvolvimento da luta nos EUA por uma política independente das organizações operárias, pela solidariedade dos operários negros e brancos, pela jornada de trabalho de oito horas e pelos direitos dos operários. (retornar ao texto)

[N97] No original: «shoddy aristocrats». Shoddy: restos de algodão que ficam nos pentes depois da cardagem, matéria inutilizável e sem qualquer valor até que se encontrou um meio de tratamento e aproveitamento da mesma. Na América chamava-se shoddy aristocrats aos homens que tinham enriquecido rapidamente com a guerra civil. (retornar ao texto)

Inclusão 09/09/2008