A Futura Revolução Italiana e o Partido Socialista[N286]

Friedrich Engels

26 de Janeiro de 1894

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Primeira Edição: Redigido por Engels em francês, em 26 de Janeiro de 1894. Publicado em italiano na revista Critica sociale n.° 3 de 1 de Fevereiro de 1894. Assinado: Friedrich Engels. Publicado segundo o texto do manuscrito, cotejado com a tradução italiana. Traduzido do francês.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!" - Edição dirigida por um colectivo composto por: José BARATA-MOURA, Eduardo CHITAS, Francisco MELO e Álvaro PINA, tomo III, pág: 507-511.
Tradução: José BARATA-MOURA.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.


capa

A situação em Itália, na minha opinião, é esta:

A burguesia, chegada ao poder durante e após a emancipação nacional, não soube nem pôde completar a sua vitória: não destruiu os restos de feudalidade reorganizando a produção nacional segundo o modelo capitalista moderno. Incapaz de fazer o país participar das vantagens relativas e temporárias do sistema burguês, impôs-lhe todas as cargas, todos os inconvenientes. Não contente com isto, tornou-se impossível, desprezível em último grau e para sempre pelas suas ignóbeis vigarices financeiras.

O povo trabalhador [peuple travailleur] — camponeses, gente dos ofícios [gens de métier], operários — encontra-se, portanto, esmagado, por um lado, por abusos antiquados, herança não apenas dos tempos feudais, mas ainda da Antiguidade (parceria [métayage], latifúndios do Sul, abandonado[s] ao gado); pelo outro lado, pela fiscalidade mais voraz que jamais algum regime burguês inventou. E bem o caso de dizer, com Marx:

«Em todas as outras esferas, atormenta-nos, assim como a todo o resto da Europa Ocidental contentai, não só o desenvolvimento da produção capitalista como também a falta do seu desenvolvimento. Além das calamidades modernas, aflige-nos toda uma série de calamidades hereditárias, provenientes da persistente vegetação de modos de produção antiquados, da Antiguidade [altertümlich], com o seu séquito de anacrónicas(1*) relações sociais e políticas. Sofremos não apenas com vivos, mas também com os mortos. Le mort saisit le vif!(2*)»(3*)

Esta situação leva a uma crise; a massa produtora está por toda a parte em comoção, aqui e além revolta-se. Aonde nos levará esta crise?

Evidentemente, o partido socialista é demasiado novo — e na sequência da situação económica: demasiado fraco — para ter esperança numa vitória imediata do socialismo. Na nação, a população agrícola leva em muito a melhor sobre a das cidades; nas cidades há pouca grande indústria desenvolvida e, por conseguinte, pouco proletariado típico; a maioria compõe-se de gente dos ofícios, de pequenos logistas [petits boutiquiers], de gente desclassificada [déclassés], massa flutuante entre a pequena burguesia e o proletariado. E a pequena burguesia da Idade Média em decadência e em desagregação. São proletários não ainda actuais, mas futuros. É esta classe, levada ao desespero em face da ruína económica, que, só ela, poderá fornecer o grosso dos combatentes assim como os chefes de um movimento revolucionário. Ela será secundada pelos camponeses, aos quais a sua dispersão territorial e o seu analfabetismo impedem qualquer iniciativa eficaz, mas que serão, apesar disso, auxiliares poderosos e indispensáveis.

Em caso de sucesso mais ou menos pacífico haverá uma simples mudança de ministério, o advento dos republicanos[N287] convertidos(4*) Cavallotti e C.a; em caso de revolução, haverá a república burguesa.

Em face destas eventualidades, qual seria o papel a desempenhar pelo partido socialista?

Desde 1848, a táctica que mais frequentemente assegurou êxitos aos socialistas foi a do Manifesto Comunista.

«Nos diversos estádios de desenvolvimento por que passa a luta entre o proletariado e a burguesia, os socialistas(5*) representam sempre o interesse do movimento todo(6*)... Lutam pelo alcançar dos fins e interesses da classe operária imediatamente ocorrentes, mas no movimento presente representam simultaneamente o futuro do movimento.»(7*)

Os socialistas tomam frequentemente uma parte activa nas fases evolutivas que a luta entre o proletariado e a burguesia percorre, sem nunca perderem de vista que essas fases não são senão outras tantas etapas que levam ao primeiro grande objectivo: a conquista do poder político pelo proletariado, como meio de reorganização social. Têm o seu lugar entre os combatentes a favor de qualquer vantagem imediata a obter no interesse da classe operária; e aceitam essas vantagens políticas ou económicas, mas como pagamentos por conta apenas. Encaram, portanto, todo o movimento progressivo ou revolucionário como indo na direcção da sua própria linha de marcha; têm por missão especial: empurrar para diante os outros partidos revolucionários e, se um desses partidos saísse vitorioso, salvaguardar os interesses do proletariado. Esta táctica, que nunca perde de vista o grande objectivo, poupa aos socialistas as desilusões a que estão infalivelmente sujeitos os outros partidos menos clarividentes — tanto republicanos puros como socialistas sentimentais, que tomam uma simples etapa pelo termo final da marcha para diante.

Apliquemos isto à Itália.

A vitória da burguesia em desintegração e dos camponeses levará, portanto, a um ministério de mazzinianos convertidos(8*). Isto dar-nos-á o sufrágio universal e uma liberdade de movimento (imprensa, reuniões, associações, abolição dell'ammonizione(9*), etc.) bastante mais considerável — portanto, novas armas que não são de desdenhar.

Ou então a república, com as mesmas pessoas e alguns mazzinianos. Isso alargaria ainda muito mais o nosso campo de acção e a nossa liberdade de movimento, pelo menos, de momento. E a república burguesa, disse Marx, é a única forma política em que a luta entre proletariado e burguesia pode encontrar o seu desenlace(10*). Sem falar da repercussão que isso produziria na Europa.

A vitória do movimento revolucionário actual não poderá, portanto, completar-se sem nos tornar mais fortes e sem nos colocar num ambiente(11*) mais favorável. Cometeríamos, portanto, o maior dos erros se nos quiséssemos abster, se na nossa postura [maintien] face aos partidos mais ou menos «afins»(12*) nos quiséssemos limitar apenas à crítica negativa. Poderá chegar o momento em que deveríamos cooperar com eles de uma maneira positiva. Para quando esse momento?

Evidentemente, não nos compete preparar directamente um movimento que não seja precisamente o da classe que nós representamos. Se os radicais e republicanos crêem ter chegado o momento e descer à rua, que dêem livre curso à sua impetuosidade. Mas nós fomos demasiado frequentemente enganados pelas grandes promessas desses senhores para cairmos de novo na armadilha. Nem as suas conspirações nem as suas proclamações nos deverão comover. Se nós estamos obrigados a apoiar todo o movimento popular real, estamos também obrigados a não sacrificar o núcleo mal acabado de formar do nosso partido proletário e a não deixar dizimar em motins locais e estéreis o proletariado.

Se, pelo contrário, o movimento for verdadeiramente nacional, os nossos homens estarão nele antes que se lhes possa lançar uma palavra de ordem, e a nossa participação nele dar-se-á por si. Mas, então, deveria estar entendido, e nós deveríamos proclamá-lo alto, que nós tomamos parte como partido independente, aliado de momento aos radicais ou republicanos, mas inteiramente distinto deles; que nós não temos ilusões acerca do resultado da luta, em caso de vitória; que esse resultado, longe de nos satisfazer, não será para nós senão uma etapa ganha, nova base de operações para conquistas ulteriores; que, no próprio dia da vitória, os nossos caminhos se separarão e que, desde esse dia, formaremos, face ao novo governo, a nova oposição, a oposição, não reaccionária, mas progressiva, oposição de extrema-esquerda, oposição que levará a novas conquistas para além do terreno ganho.

Após a vitória comum, poderiam oferecer-nos alguns lugares no novo governo — mas sempre em minoria. Este é o maior perigo. Depois de Fevereiro de 1848, os democratas socialistas franceses (Reforme[N143], Ledru-Rollin, L. Blanc, Flocon. etc.) cometeram o erro de aceitar semelhantes lugares[N288]. Minoria no governo dos republicanos puros, partilharam voluntariamente a responsabilidade por todas as infâmias votadas e cometidas pela maioria, por todas as traições à classe operária no interior. E enquanto tudo isto se passava, a classe operária estava paralisada pela presença no governo desses senhores, que tinham a pretensão de a representar lá.

Em tudo isto, não dou senão a minha opinião pessoal, porque ma pediram; e é com a maior difidência. Quanto à táctica geral que recomendo, desde há anos que tenho experimentado a sua eficácia; ela nunca falhou. Mas, quanto à sua aplicação às coisas actuais em Itália, é outra coisa; isso deve ser decidido no próprio local, isso não pode ser decidido senão por aqueles que se encontram no meio dos acontecimentos.


Notas de rodapé:

(1*) O sublinhado é de Engels. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(2*) Em francês no texto: O morto apodera-se do vivo! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Cf. K. Marx, Das Kapital [O Capital], prefácio à primeira edição alemã, MEW, Bd. 23, S. 12 e 15; na presente edição, t. II, 1983, p. 91. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4*) No original francês: ralliés. Seguimos aqui a versão italiana de Turati. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Engels substitui aqui comunistas» (Kommunisten) — que é o que figura no original alemão do Manifesto; cf. MEW, Bd. 4., S. 474 — por «socialistas» (socialistes). (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) Isto é, do movimento no seu conjunto: Gesamtbewegung. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(7*) Cf. MEW. Bd. 4, S. 474 und 492; na presente edição, t. I, 1982, pp. 118 e 134-135. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(8*) Ver nota (4*) acima. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(9*) Em italiano no texto; literalmente: da monitorização. Tratava-se, de facto, da abolição de determinadas formas de vigilância policial. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(10*) K. Marx, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, cf. a presente edição, t. I, 1982, pp. 424-425. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(11*) Em italiano no texto. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(12*) No original francês: affinés. Seguimos aqui a versão italiana de Turati. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N143] La Réfome (A Reforma): diário francês, órgão dos democratas revolucionários e socialistas pequeno-burgueses; publicou-se em Paris entre 1843 e 1850. Entre Outubro de 1847 e Janeiro de 1848 Engels publicou vários artigos neste jornal. (retornar ao texto)

[N286] O artigo em questão foi escrito por Engels em resposta ao pedido de Kulischowa e Turati, dirigentes do Partido Socialista dos Trabalhadores Italianos, para dar a sua opinião sobre a táctica do partido nas condições criadas pelo movimento de massas que se desenvolvia no país. Sublinhando o carácter burguês da revolução que amadurecia em Itália, Engels traçou a táctica que os socialistas deviam empregar para assegurar a participação activa do proletariado na revolução e conservar a sua independência de classe. (retornar ao texto)

[N287] Chamava-se republicanos «convertidos» aos radicais italianos, cujo chefe foi F. Cavallotti. Exprimindo os interesses da pequena e média burguesias, os radicais mantinham posições democráticas, aceitando por vezes acordos com os socialistas. (retornar ao texto)

[N288] Trata-se da participação dos democratas pequeno-burgueses Ledru-Rollin e Flocon e do socialista pequeno-burguês Louis Blanc, bem como do mecânico Albert, membro de sociedades secretas revolucionárias, no Governo Provisório da República Francesa formado a 24 de Fevereiro de 1848. (retornar ao texto)

Inclusão 29/10/2011