As Perspectivas do Partido Comunista Alemão e a Bolchevização

J. V. Stálin

3 de Fevereiro de 1925


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Primeira Edição: Publicado no Jornal «Pravda» n.° 27, de 3-2-1925. Palestra com Hertzog, membro do Partido Comunista Alemão.
Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 37 - Nov-Dez de 1951.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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PRIMEIRA PERGUNTA(HERTZOG). Considerais que a situação política e econômica na república democrática-capitalista da Alemanha é tal que a classe operária deva, em futuro mais ou menos próximo, lutar pelo poder?

RESPOSTA (STÁLIN). Seria difícil responder a essa pergunta de modo perfeitamente exato se se tratasse dos prazos e não da tendência. Não é preciso demonstrar que a atual situação se distingue essencialmente da situação de 1923 tanto quanto às condições internacionais como quanto às condições internas. Isso não exclui, porém, o fato de que a situação pode se modificar bruscamente em futuro próximo em proveito da revolução em vista de possíveis modificações profundas na situarão internacional. A instabilidade da situação internacional representa uma garantia de que essa situação pode se tornar bastante provável.

SEGUNDA PERGUNTA. Em vista da atual situação econômica e da atual correlação de forças teremos necessidade de um período de preparação mais prolongada, a fim dc conquistar a maioria do proletariado — requisito que, segundo Lênin, os Partidos Comunistas de todos os países devem satisfazer por se tratar de uma tarefa extremamente importante antes da conquista do poder político?

RESPOSTA. Dado que se trata da situação econômica, só posso apreciar o problema do ponto de vista dos dados gerais de que disponho. Penso que o plano Daves(1) já apresentou alguns resultados que conduziram a uma relativa estabilidade da situação. A introdução do capital americano na indústria alemã, a estabilização das divisas, o melhoramento de uma série dos mais importantes setores da indústria germânica — o que de forma alguma significa um saneamento radical da economia alemã — e finalmente, uma certa melhoria da situação material da classe operária — tudo isso não pôde deixar de produzir um certo fortalecimento das posições da burguesia na Alemanha. Trata-se, por assim dizer, do aspecto «positivo» do plano Daves.

Entretanto, o plano Daves apresenta ainda aspectos «negativos» que se manifestarão inevitavelmente em determinado período e que devem deitar por terra os resultados «positivos» desse plano. Está fora de dúvida que o plano Daves significa para o proletariado alemão a pressão dupla do capital, interna e externa. A contradição que se manifesta entre a ampliação da indústria alemã e a retração do campo dos mercados externos para essa indústria, a falta de correspondência entre as exigências hipertrofiadas da Entente e as limitadas possibilidades da economia alemã de satisfazer essas exigências, tudo isso, que agrava inevitavelmente a situação do proletariado, dos pequenos camponeses, dos empregados e dos intelectuais, não pode deixar de conduzir a uma explosão e à luta aberta do proletariado pela conquista do poder.

Não se pode, porém, considerar essa circunstância como a única condição favorável à revolução alemã. Para a vitoria dessa revolução é necessário, além disso, que o Partido Comunista represente a maioria da classe operária e que se torne a força decisiva da classe operária. É necessário que a social democracia seja desmascarada e derrotada e que seja reduzida à situação de uma minoria insignificante entre a classe operária. Sem isso não se pode pensar em ditadura do proletariado. Para que os operários possam vencer, uma vontade única deve inspirá-los, um único Partido deve dirigi-los, um Partido que goze da confiança ilimitada da maioria da classe operária. Se há dentro da classe operária dois partidos concorrentes de força idêntica então é impossível uma vitória estável mesmo em condições exteriores favoráveis. Lênin foi o primeiro a insistir particularmente a respeito, no período anterior à Revolução de Outubro, afirmando ser essa a condição mais necessária à vitória do proletariado.

Poderíamos considerar como mais favorável à revolução uma situação em que a crise interna da Alemanha e o aumento decisivo das forças do Partido Comunista coincidisse com sérias complicações no campo dos inimigos externos da Alemanha.

Penso que a ausência dessa última circunstância no período revolucionário de 1923 representou um papel negativo que está longe de ser o último.

TERCEIRA PERGUNTA. Dissestes que o Partido Comunista da Alemanha deve ter a maioria dos operários a seu favor. A esse objetivo dedicou-se até aqui uma atenção extremamente reduzida. O que, segundo Vossa opinião, é necessário se fazer para se transformar o Partido Comunista Alemão em partido suficientemente firme e cujos efetivos aumentem progressivamente?

RESPOSTA. Alguns camaradas pensam que fortalecer o Partido e bolchevizá-lo significa afastar do Partido todos os heterodoxos. Trata-se, evidentemente, de um ponto de vista errôneo. Somente no decurso de uma luta diária pelas necessidades concretas pela classe operária é que se pode desmascarar a social-democracia e reduzi-la ao papel de uma minoria insignificante entre a classe operária. Não é na base de questões planetárias que se pode levar a social democracia ao pelourinho
mas na base da luta diária da classe operária pela melhoria de sua situação material e política, sendo que os problemas do salário, do horário de trabalho, das condições de habitação, do seguro, dos impostos, do desemprego, da carestia da vida, etc. devem representar o mais sério papel, senão o papel decisivo. A tarefa é derrotar os social democratas diariamente na base desses problemas, desmascarando a sua política de traição.

Entretanto, essa tarefa não será realizada integralmente se os problemas da prática diária não estiverem ligados aos problemas fundamentais da situação externa e interna da Alemanha e se todo esse trabalho diário não for encarado em toda a ação do Partido do ponto de vista da revolução e da conquista do poder pelo proletariado.

Mas, só é capaz de realizar uma política dessa natureza um Partido que tenha à sua frente quadros dirigentes suficientemente experimentados para aproveitar todos e quaisquer erros da social-democracia em favor do fortalecimento do Partido e suficientemente preparadas teoricamente para não perder a perspectiva do desenvolvimento revolucionário em face de êxitos parciais.

É assim, principalmente, que se explica que o problema dos quadros dirigentes dos Partidos Comunistas em geral e inclusive do Partido Comunista Alemão represente um dos problemas básicos da bolchevização.

Para se atingir a bolchevização é necessário reunir, pelo menos algumas condições básicas, sem as quais, em geral, não é possível a bolchevização dos Partidos Comunistas.

  1. É necessário que o Partido não se considere um apêndice do mecanismo eleitoral parlamentar, como em essência a social democracia se considera, nem como um anexo gratuito dos sindicatos, como pretendem às vezes alguns elementos anarco-sindicalistas — mas como a forma mais elevada de união de classe do proletariado, chamada a dirigir todas as demais formas de organização proletárias,desde os sindicatos à fração parlamentar.
  2. É necessário que o Partido, sobretudo os seus elementos dirigentes, dominem inteiramente a teoria revolucionária do marxismo ligando-a indissoluvelmenteà prática revolucionária.
  3. É necessário que o Partido lance palavras de ordem e diretivas não na base de fórmulas decoradas e de paralelos históricos, mas como resultado de uma cuidadosa análise das condições concretas do movimento revolucionário, internas e externas, levando em conta obrigatoriamente, a experiência das revoluções de todos os países.
  4. É necessário que o Partido comprove o acerto dessas palavras de ordem e diretivas no fogo da luta revolucionária das massa.
  5. É necessário que todo o trabalho do Partido, particularmente se ainda não foram superadas as tradições social democráticas,seja estruturado de um modo novo, revolucionário, visando-se a que cada passo e cada uma das manifestações do Partido conduzam naturalmente à revolucionar as massas, à preparar e educar as amplas massas da classe operária no espírito da revolução.
  6. É necessário que o Partido, em seu trabalho, saiba combinar a mais alta fidelidade aos princípios (não confundi-la com o sectarismo!), com o máximo de ligações e contacto com as massas (não confundi-los com o seguidismo!), sem o que é impossível ao Partido não só ensinar as massas mas também aprender com elas, não só dirigir as massas e elevá-las ao nível do Partido, mas também ouvir a voz das massas e perceber as suas necessidades mais prementes.
  7. É necessário que o Partido, em seu trabalho, saiba combinar um espírito revolucionário irredutível (não confundi-lo com o aventurismo revolucionário!) com o máximo de flexibilidade e capacidade de manobra (não confundi-lo com o espírito de acomodação!), sem o que, é impossível ao Partido dominar todas as formas de luta e de organização, ligar os interesses diários do proletariado aos interesses vitais da revolução proletária e combinar em seu trabalho a luta legal com luta ilegal.
  8. É necessário que o Partido não oculte os seus erros, que não tema a critica, que saiba desenvolver e educar os seus quadros na base de seus próprios erros.
  9. É necessário que o Partido saiba selecionar para constituir o grupo dirigente básico os melhores elementos entre os combatentes de vanguarda, suficientemente dedicados para serem autênticos porta-vozes das aspirações do proletariado revolucionário e suficientemente experimentados para se tornarem os verdadeiros chefes da revolução proletária, capazes de aplicar a tática e a estratégia do leninismo.
  10. É necessário que o Partido melhore sistematicamente a composição sócia! de seus organismos, depurando-os dos elementos em decomposição, oportunistas, a fim de conseguir o máximo de unidade monolítica.
  11. É necessário que o Partido elabore uma férrea disciplina proletária baseada na coesão ideológica, na clareza dos objetivos do movimento, na unidade de ação prática e na atitude consciente em relação às tarefas do Partido por parte das amplas massas do Partido.
  12. É necessário que o Partido controle sistematicamente o cumprimento de suas próprias resoluções e diretivas, sem o que estas correm o risco de se transformarem em promessas vãs, que só servirão para minar a confiança que as amplas massas proletárias nelas depositaram.

Sem essas condições e outras análogas a bolchevização não passa de um palavrório inútil.

QUARTA PERGUNTA. Afirmastes que ao lado dos aspectos negativos do plano Daves a segunda condição para a conquista do poder pelo Partido Comunista da Alemanha é uma situação em que o Partido Social Democrático seja inteiramente desmascarado perante as massas e quando não represente mais uma força séria entre a classe operária. Ante os fatos reais, ainda temos um longo caminho a andar para chegar a isso. Nesse sentido se manifestam de maneira evidente as debilidades e as fraquezas dos atuais métodos de trabalho do Partido. Como se pode afastá-las? Como considerais os resultados das eleições que se realizaram em dezembro de 1924 segundo os quais a social democracia — partido inteiramente corrupto e apodrecido — não só nada perdeu mas adquiriu cerca de dois milhões de votos?

RESPOSTA. Não são as debilidades do trabalho do Partido Comunista Alemão que explicam o que aconteceu. A explicação esta em primeiro lugar no fato de que os empréstimos americanos, a introdução do capital americano mais a estabilização das divisas, ao melhorarem um pouco a situação, criaram a ilusão da possibilidade de se liquidar radicalmente as contradições externas e internas ligadas à situação da Alemanha. É montada nessa ilusão, como se fora um cavalo branco, que a social democracia alemã penetrou no atual Reichstag. Wels se gaba atualmente de sua vitória nas eleições. É evidente, porém, não compreender que se apropria de uma vitória conquistada por outrem. Quem venceu foi o grupo Morgan e não a social-democracia alemã. Wels foi e continua sendo apenas um dos lacaios de Morgan.


Notas:

(1) Plano Daves: Conhece-se sob essa denominação o relatório sobre o problema do pagamento das reparações pela Alemanha elaborado por um comitê internacional de peritos sob a presidência do General Daves, financista americano, aprovado em 16 de agosto de 1924 por ocasião da conferência que se realizou em Londres entre as potências aliadas. (retornar ao texto)

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Inclusão 12/022010