Uma Vez Mais Sobre o Desvio Social-Democrata em Nosso Partido

J. V. Stálin


II — A Questão da Vitória do Socialismo em Determinados Países Capitalistas


Eu me manifestei a respeito determinados erros da oposição e os conceitos realmente errôneos que se notam nos discursos dos líderes da oposição. Esforcei-me no sentido de esgotar esta questão, sob a forma de observações isoladas na primeira parte das minhas palavras finais. Permití-me que passe agora à essência questão.

1. Premissas da Revolução Proletária em Países Isolados na Época do Imperialismo

A Primeira questão é a questão da possibilidade da vitória do socialismo em determinados países capitalistas na época do imperialismo. Não se trata, como vemos, de um país qualquer, mas de todos os países imperialistas mais ou menos desenvolvidos.

Em que consiste o erro fundamental da oposição na questão da vitória do socialismo em determinados países capitalistas?

O erro fundamental da oposição está em que ela não compreende ou não quer compreender toda a diferença entre o capitalismo pré-imperialista e o capitalismo imperialista, não compreende a essência econômica do imperialismo e confunde duas fases diversas do capitalismo — a fase pré-imperialista e a fase imperialista.

Deste erro da oposição decorre outro erro seu e que consiste em que ela não compreende o sentido e a significação da lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo, contrapõe a esta lei a tendência à nivelação e resvala desta forma, para a posição kautskista do ultra-imperialismo.

Estes dois erros conduzem ao terceiro erro da oposição, ao erro no sentido de que ela divulga mecanicamente e, na fase do capitalismo imperialista, fórmulas e teses que surgiram na base do capitalismo pré-imperialista em virtude do que ela chega à negação da possibilidade da vitória do socialismo em países capitalistas considerados isoladamente.

Em que consiste a diferença entre o velho capitalismo, pré-monopolista, e o novo capitalismo, monopolista, se formos expressar esta diferença em duas palavras?

Consiste em que o desenvolvimento do capitalismo através da livre concorrência foi substituído pelo desenvolvimento através de imensas uniões monopolistas dos capitalistas e que o velho capital, "culto" e "progressista" foi substituído pelo capital financeiro, pelo capital "em decomposição", que a expansão "pacífica" do capital e a sua distribuição pelos territórios "livres" foram substituídas pelo desenvolvimento aos saltos, pelo desenvolvimento através da repartição de um mundo já dividido por meio de choques armados entre os grupos capitalistas e que o velho capitalismo que em seu conjunto se desenvolvia no sentido de uma linha ascendente, foi substituído, dessa forma, pelo capitalismo moribundo, capitalismo que em seu conjunto se desenvolve segundo uma linha descendente.

Citemos o que nos diz Lênin a respeito:

"Recordemos em que se baseia a modificação da época precedente, da época "pacífica" do capitalismo pela etapa atual, a etapa imperialista: ela se baseia em que a livre concorrência cedeu lugar à união monopolista dos capitalistas e no fato de que todo o globo terrestre (globo terrestre? — J. St.) já se acha dividido. É claro que ambos estes fatos (e fatores) têm uma significação realmente internacional: o comércio livre e a concorrência pacífica foram possíveis e necessários enquanto o capital pôde, sem obstáculos, aumentar o número de colônias e apoderar-se, na África e alhures, de terras desocupadas, numa época em que a concentração de capital era ainda fraca e ainda não existiam empresas monopolistas tão grandes que dominassem todo um determinado setor da indústria. O aparecimento e o progresso dessas empresas monopolistas... tornam impossível a livre concorrência anterior, minam a base sobre a qual esta se apóia e a divisão do globo terrestre obriga a passar da expansão pacífica à luta armada pela redistribuição das colônias e de suas esferas de influência"(47).

E mais adiante:

"É impossível viver à maneira antiga em situação relativamente pacifica e cultural e que evolui de maneira calma e que se expande gradualmente para novos países do capitalismo, porque sobreveio uma nova época. O capital financeiro desloca e continuará a deslocar determinado país da série das grandes potências e arrebata as suas colônias e as suas esferas de influência"(48).

Dai decorre a conclusão fundamental de Lênin sobre o caráter do capitalismo imperialista:

"Compreende-se porque o imperialismo é o capitalismo moribundo e transitório ao socialismo: os monopólios que surgem do capitalismo representam a morte do capitalismo, o principio de sua passagem para o socialismo. A gigantesca socialização do trabalho realizada pelo imperialismo (aquilo que os economistas burgueses apologéticos chamam de "entrelaçamento") significa a mesma coisa"(49)

A desgraça de nossa oposição consiste em que ela não compreende toda a importância desta diferença entre o capitalismo pré-imperialista e o capitalismo imperialista.

Dessa forma o ponto de partida da posição de nosso Partido é o reconhecimento do fato que o capitalismo atual, o capitalismo imperialista, é um capitalismo moribundo.

É lamentável que isto ainda não signifique que o capitalismo já tenha morrido. Mas isto, sem dúvida, significa que o capitalismo em seu conjunto marcha não no sentido do seu renascimento, mas no sentido da sua morte e que o capitalismo em seu conjunto não se desenvolve segundo uma linha ascendente, mas segundo uma linha descendente.

Desta questão geral decorre a questão da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo.

De que tratam geralmente os leninistas quando falam sobre a desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo?

Não é sobre o fato de que existe uma grande diferença no nível de desenvolvimento dos diferentes países capitalistas, que alguns países se distanciam de outros no seu desenvolvimento e que essa diferença aumenta cada vez mais?

Não, não se trata disso. Confundir a desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo com a diferença no nível de desenvolvimento dos países capitalistas — significa cair no filisteismo. É precisamente neste filisteismo que caiu a Oposição quando confundiu, na XV Conferência do PC (b) da URSS, a questão da desigualdade do desenvolvimento com a questão da diferença no nível da situação econômica dos diversos países capitalistas. Foi justamente partindo dessa confusão que a oposição chegou então à conclusão inteiramente errônea de que anteriormente a desigualdade do desenvolvimento era maior do que na época do imperialismo. Foi precisamente por isso que Trotski afirmou na XV Conferência que "no século XIX essa desigualdade era maior do que no século XX". (Vide o discurso de Trotski na XV Conferência do PC (b) da URSS) O próprio Zinoviev afirmou então: "Não é verdade que a desigualdade do desenvolvimento capitalista antes do começo da época imperialista fosse menor" (Vide discurso de Zinoviev na XV Conferência do PC (b) da URSS).

É verdade que agora, depois da discussão na XV Conferência, a oposição julgou necessário mudar de frente, declarando em seus discursos no pleno ampliado do Comitê Executivo da Internacional Comunista algo inteiramente oposto ou simplesmente se esforçando no sentido de silenciar a respeito desse seu erro. Eis, por exemplo, a declaração de Trotski em seu discurso pronunciado no pleno ampliado:

"No que diz respeito ao ritmo de desenvolvimento, verifica-se que o imperialismo aguçou desmedidamente esta desigualdade do desenvolvimento".

No que diz respeito a Zinoviev, verifica-se que ele, em seu discurso pronunciado por ocasião do pleno do Comitê Executivo da Internacional Comunista julgou aconselhável silenciar simplesmente sobre esta questão, embora não pudesse deixar de saber que a discussão se processava justamente no sentido de se saber se a ação da lei da desigualdade do desenvolvimento se intensifica ou se enfraquece na época do imperialismo. Mas isso apenas atesta o fato de que a discussão ensinou algo à oposição e não deixou de ser proveitosa para a mesma.

Pois bem: não se pode confundir a questão da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas na época do imperialismo com a questão da diferença no nível da situação econômica dos diversos países capitalistas.

Pode-se afirmar que o enfraquecimento da diferença no nível de desenvolvimento dos países capitalistas e o desenvolvimento da tendência ao nivelamento destes países enfraquecem a ação da lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo? Não, não se pode afirmar isso. Essa diferença no nível de desenvolvimento aumenta ou diminui? Não há dúvida de que diminui. O nivelamento aumenta ou diminui? Não há dúvida alguma de que aumenta. A tendência ao nivelamento não contradiz a intensificação da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo? Não, não contradiz. Ao contrário, o nivelamento é o fundo e a base sobre a qual se torna possível o fortalecimento da ação da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo. Somente as pessoas que não compreendem a essência econômica do imperialismo do gênero de nossos oposicionistas é que podem contrapor o nivelamento à lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo. É justamente pelo fato de que os países atrasados apressam o ritmo de seu desenvolvimento e se nivelam aos países avançados — é justamente por isso que se aguça a luta de uns países para ultrapassar a outros e é precisamente por isso que se cria a possibilidade de alguns países ultrapassarem outros paises e afastá-los dos mercados, criando por isso mesmo as premissas para os choques armados, para o enfraquecimento da frente mundial do capitalismo, para o rompimento desta frente pelos proletários dos diversos países capitalistas. Quem não compreendeu esse fato simples nada compreendeu da questão da essência econômica do capitalismo monopolista.

Pois bem: o nivelamento constitui uma das condições para o fortalecimento da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo.

Pode-se afirmar que a desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo consiste em que alguns países alcançam outros e depois os ultrapassam sob o ponto de vista econômico na ordem habitual, numa ordem, por assim dizer, de evolução, sem saltos, sem catástrofes guerreiras e sem repartições de um mundo já dividido? Não, não se pode afirmar isso. Essa desigualdade existiu também no período do capitalismo pré-monopolista, fato que era do conhecimento de Marx e sobre o qual Lênin escreveu na sua obra "O desenvolvimento do capitalismo na Rússia"(50). Nessa época o desenvolvimento do capitalismo se processava de uma maneira mais ou menos calma, mais ou menos progressista e uns países ultrapassavam outros no decurso de um prolongado lapso de tempo sem saltos e sem choques armados inevitáveis em escala mundial. Não estamos nos referindo neste momento a essa desigualdade.

O que representa, em tal caso. a lei da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas na época do imperialismo?

A lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo significa um desenvolvimento, por saltos, de uns países em relação a outros a expulsão rápida do mercado mundial de uns países por outros, as repartições periódicas de um mundo já dividido por meio dos choques armados e das catástrofes guerreiras, o aprofundamento e o aguçamento dos conflitos no campo do imperialismo, o enfraquecimento da frente do capitalismo mundial, a possibilidade do rompimento desta frente pelo proletariado de determinados países, a possibilidade da vitória do socialismo em determinados países considerados isoladamente.

Em que residem os elementos fundamentais da lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo?

Em primeiro lugar no fato de que o mundo já se acha dividido entre os grupos imperialistas e que no mundo já não há mais territórios "livres" e desocupados e, para se ocupar novos mercados e fontes de matérias primas e para se expandir — é preciso tomar de outros, pela força, esses territórios.

Em segundo lugar no fato de que o desenvolvimento, sem precedentes, da técnica e a crescente tendência ao nivelamento do nível de desenvolvimento dos países capitalistas criaram a possibilidade e facilitaram a tarefa do sobrepujamento aos saltos, de uns países em relação aos outros, a tarefa do deslocamento de paises mais poderosos por paises menos poderosos mas que se desenvolvem mais rapidamente.

Em terceiro lugar no fato de que a velha divisão das esferas de influência entre determinados grupos imperialistas entra em choque passo a passo com a nova correlação de forças no mercado mundial e que para o estabelecimento do "equilíbrio" entre a velha distribuição de esferas de influência e a nova correlação de forças tornam-se necessárias divisões periódicas do mundo por meio das guerras imperialistas.

Daí decorre o fortalecimento e o aguçamento da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo.

Daí decorre a impossibilidade da solução dos conflitos que surgem no campo do imperialismo por meios pacíficos.

Daí decorre a inconsistência da teoria kautskista do ultra-imperialismo, que prega a possibilidade da solução pacífica desses conflitos.

Mas disto se conclui que a oposição, ao negar o fato do fortalecimento e do aguçamento da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo, se coloca na posição do ultra-imperialismo.

Tais são os traços característicos da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo.

Quando terminou a divisão do mundo entre os grupos imperialistas?

Lênin afirmou que a divisão do mundo estava terminada em princípios do século XX.

Quando foi de fato colocada, pela primeira vez, a questão da repartição de um mundo já dividido?

Na época da primeira guerra imperialista mundial.

Mas daí decorre que a lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo pôde ser descoberta e fundamentada somente em princípios do século XX.

Fiz referência a este assunto no meu informe prestado à XV Conferência do PC (b) da URSS. quando afirmei que a lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo foi descoberta e fundamentada pelo camarada Lênin.

A guerra imperialista mundial foi a primeira tentativa feita no sentido de repartir um mundo já dividido Essa tentativa custou ao capitalismo a vitória da revolução na Rússia e minou as bases do imperialismo nos paises coloniais e dependentes.

Não é preciso dizer que à primeira tentativa de divisão do mundo deveria se seguir a segunda tentativa e nesse sentido já se acham em andamento os preparativos no campo imperialista.

Não se pode duvidar de que a segunda tentativa de divisão do mundo custará ao capitalismo mundial muito mais caro do que a primeira.

Essas são as perspectivas do desenvolvimento do capitalismo mundial do ponto de vista da lei da desigualdade do desenvolvimento nas condições do imperialismo.

Vemos que estas perspectivas conduzem imediata e diretamente à possibilidade da vitória do socialismo em determinados países capitalistas na época do imperialismo.

Sabe-se que Lênin, partindo imediata e diretamente da lei da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas, concluiu peia possibilidade da vitória do socialismo em determinados paises considerados isoladamente. E Lênin tinha toda razão. Porque a lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo acaba com quaisquer motivos para exercidos "teóricos" de todos e quaisquer social-democratas relativamente à impossibilidade da vitória do socialismo em determinados países capitalistas considerados isoladamente.

Eis o que nos afirma Lênin a respeito no seu artigo programático, escrito em 1915:

"A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei incondicional do capitalismo. Daí se conclui (o grifo é meu — J St.) que a vitória do socialismo se torna possível em primeiro lugar em alguns ou até mesmo num determinado país capitalista, considerado isoladamente"(51).

Conclusões:

a) O erro fundamental da oposição está em que ela não vê a diferença existente entre duas fases do capitalismo ou evita frisar essa diferença. E por que ela o evita? Porque essa diferença conduz à lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo.

b) O segundo erro da oposição consiste em que ela não compreende, ou subestima a significação decisiva da lei da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas na época do imperialismo. E por que ela o subestima? Porque uma apreciação justa da lei da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas conduz à concluir pela possibilidade da vitória do socialismo em países considerados isoladamente.

c) Daí decorre o terceiro erro da oposição e que consiste na negação da possibilidade da vitória do socialismo em países capitalistas considerados isoladamente na época do imperialismo.

Quem nega a possibilidade da vitória do socialismo em paises isolados é obrigado a silenciar sobre a significação da lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo e quem é obrigado a silenciar sobre a significação da lei da desigualdade não pode deixar de dissimular a diferença existente entre o capitalismo pré-imperialista e o capitalismo imperialista.

É assim que se acha colocado o problema relativo a questão das premissas da revolução proletária nos países capitalistas.

Qual é a significação prática desta questão?

Do ponto de vista da prática acham-se diante de nós duas linhas.

Uma linha é a linha de nosso Partido que convoca os proletários de cada país a se prepararem para a revolução que se aproxima, a observarem atentamente o desenrolar dos acontecimentos e a estarem preparados para, ao surgirem condições favoráveis, romper independentemente a frente do capital, tomar o poder e abalar as bases do capitalismo mundial.

Outra linha é a linha de nossa oposição que semeia dúvidas a respeito da conveniência do rompimento independente da frente capitalista e que convoca os proletários de cada país a aguardarem o momento do "desenlace geral".

Se a linha de nosso Partido é uma linha de fortalecimento da pressão revolucionária sobre a nossa burguesia e de desenvolvimento da capacidade de iniciativa dos proletários de cada país, por outro lado a linha de nossa oposição é uma linha de expectativa passiva e de retenção da capacidade de iniciativa dos proletários de cada país na sua luta contra a sua burguesia.

A primeira linha é uma linha de ativação dos proletários de cada país.

A segunda linha é uma linha de enfraquecimento da vontade do proletariado no sentido da revolução, uma linha de passividade e de expectativa.

Lênin tinha mil vezes razão quando escreveu as seguintes valiosas palavras que se relacionam diretamente com a nossa discussão atua!:

"Sei que há, sem dúvida, sábios que se consideram muito inteligentes e que até mesmo se chamam socialistas e que afirmam que não se deve tomar o poder enquanto a revolução não explodir em todos os países. Não suspeitam que, ao afirmar isto, afastam-se da revolução e se passam para o lado da burguesia. Esperar que as classes trabalhadoras realizem a revolução em escala internacional — significa manter a todos na expectativa. Isto é uma insensatez"(52).

Não se pode esquecer estas palavras de Lênin.

2. Como Zinoviev "Elabora" Lênin

FALEI sobre as premissas da revolução proletária em determinados países capitalistas considerados isoladamente. Desejaria agora dizer algumas palavras sobre a maneira de Zinoviev adulterar ou "elaborar" o artigo principal de Lênin relativo às premissas da revolução proletária e à vitória do socialismo em paises capitalistas isolados. Refiro-me ao conhecido artigo de Lênin "A palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa", escrito em 1915 e citado várias vezes por ocasião de nossos debates. Zinoviev me censurou pelo fato de que não citei esse artigo por inteiro; nesse sentido ele se esforça por emprestar a esse artigo uma interpretação que só pode ser chamada de deturpação completa dos pontos de vista de Lênin e de sua linha fundamental relativamente à questão da vitória do socialismo em paises isolados. Permití-me que eu reproduza essa citação por inteiro, sublinhando as linhas que foram deixadas de lado por mim da última vez por falta de tempo. Eis o trecho em questão:

"A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Disso se conclui que é possível a vitória do socialismo, em primeiro lugar em alguns ou até mesmo num único país capitalista considerado isoladamente. O proletariado vitorioso desse país, após haver expropriado os capitalistas e após haver organizado a produção socialista, se levantaria contra o resto do mundo capitalista, atraindo para o seu campo as classes oprimidas dos demais países, impulsionando neles a insurreição contra os capitalistas e, em caso de necessidade, intervindo até com a força armada contra as classes exploradoras e seus Estados. A forma política da sociedade em que vencer o proletariado, ao derrotar a burguesia, será uma república democrática que centralizará cada vez mais as forças do proletariado de uma determinada nação ou de determinadas nações para a luta contra os Estados que ainda não chegaram ao socialismo. É impossível a supressão das classes sem a ditadura da classe oprimida, o proletariado. É impossível a livre união das nações no socialismo sem uma luta mais ou menos prolongada e tenaz das repúblicas socialistas contra os Estados atrasados"(53).

Zinoviev apresenta duas observações ao fazer esta citação: primeira — sobre a república democrática e segunda — sobre a organização da produção socialista.

Consideremos inicialmente a primeira observação. Zinoviev é de parecer que se Lênin se refere aqui à república democrática, então, é possível que se trate, no máximo, da tomada do poder pelo proletariado e nesse sentido Zinoviev não se envergonhou de fazer uma insinuação bastante nebulosa mas insistente no sentido de que Lênin se refira aqui, talvez, à república burguesa. Acaso isso é verdade? Sem dúvida que não. Para se refutar essa insinuação de Zinoviev, aliás não inteiramente honesta, basta que se leia as últimas linhas da citação, onde se fala sobre a "luta das repúblicas socialistas contra os Estados atrasados". É claro que, ao se referir à república democrática, Lênin tinha em vista não a república burguesa, mas a república socialista.

Em 1915, Lênin ainda não conhecia o poder soviético como a forma estatal da ditadura do proletariado. Em 1905, Lênin já sabia que os Soviets isolados de então constituíam embriões do poder revolucionário na época da derrocada do tsarismo. Mas naquela época ele ainda não conhecia o poder soviético, unificado em escala nacional, como forma estatal da ditadura do proletariado. Foi somente em 1917 que Lênin se manifestou sobre a república dos soviets como forma estatal da ditadura do proletariado e no verão do mesmo ano elaborou detalhadamente a questão desta nova forma de organização política para uma sociedade em fase de transição e o fez principalmente no seu livro "O Estado e a Revolução". É por isso, particularmente, que se explica o fato de que Lênin se refere, na sua citação, não à República Soviética, mas à república democrática, dando a entender com isto, como se vê pelas citações, que tem em vista a república socialista. Lênin procedeu aqui da mesma forma como o procederam em sua época Marx e Engels que consideravam a república em geral, antes da Comuna de Paris, como a organização política de uma sociedade em transição do capitalismo ao socialismo e, depois da Comuna de Paris, retificaram esta terminologia, afirmando que essa república deveria ser uma república do tipo da Comuna de Paris. Já não me refiro ao fato de que se Lênin tivesse em vista, ao fazer a sua citação, a república democrático-burguesa, então não poderia falar sobre a "ditadura do proletariado", a "expropriação dos capitalistas", etc.

Vemos que não se pode considerar feliz a tentativa de Zinoviev de "elaborar" Lênin.

Passemos à segunda observação de Zinoviev. Zinoviev afirma que não se pode compreender a frase do camarada Lênin sobre a "organização da produção socialista" como devem compreendê-la em geral as pessoas normais, mas de maneira algo diferente, isto é, que Lênin nesse sentido tinha em vista apenas um começo de organização da produção socialista. Por que e sobre que fundamento — Zinoviev não nos explica. Permití-me afirmar que Zinoviev também aqui fez ainda mais uma tentativa de "elaborar" Lênin. Na citação se afirma francamente que "o proletariado vitorioso deste país, após haver expropriado os capitalistas e após haver organizado a produção socialista, se levantaria contra o resto do mundo capitalista". Aqui se afirma — "após haver organizado" e não "ao organizar". Será preciso ainda demonstrar que aqui há uma diferença? Será preciso ainda demonstrar que se Lênin tivesse em vista apenas um começo de organização da produção socialista, diria então — "ao organizar" e não "após haver organizado". Lênin tinha em mente, por conseguinte, não apenas um começo de organização da produção socialista, mas também a possibilidade de organizar a produção socialista, a possibilidade de construir a produção socialista em países isolados.

Vemos que se pode considerar também mais do que infeliz esta segunda tentativa que Zinoviev faz de "elaborar" Lênin.

Zinoviev procura mascarar as suas tentativas de "elaborar" Lênin com zombarias relativamente ao fato de que "não se pode construir o socialismo segundo os nossos próprios desejos, em duas semanas ou em dois meses". Tenho o mau pressentimento de que Zinoviev necessita dessas caçoadas para "fazer boa cara em face de um jogo perverso". Mas onde, porém, Zinoviev encontrou pessoas que pretendam construir o socialismo em duas semanas, em dois meses ou em dois anos? Por que então não nos diz quais são essas pessoas, se de fato existem neste mundo? Mas ele não no-las indicou porque elas não existem neste mundo. Zinoviev necessitou de caçoadas de mau gosto para mascarar o seu "trabalho" de "elaboração" de Lênin e do leninismo.

Conclui-se, portanto, que:

a) Partindo da lei da desigualdade do desenvolvimento na época do imperialismo, Lênin chegou, no seu artigo básico "A palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa" à conclusão de que é possível a vitória do socialismo em determinados países capitalistas considerados isoladamente;

b) por vitória do socialismo em cada país considerado isoladamente Lênin subentende a tomada do poder pelo proletariado, a expropriação dos capitalistas e a organização da produção socialista, devendo-se considerar que todas estas tarefas não constituem um fim em si mesmo, mas um meio para o levante contra o restante mundo capitalista e a ajuda aos proletários de todos os países na sua luta contra o capitalismo;

c) Zinoviev tentou cortar pela raiz estas teses do leninismo e "elaborar" Lênin de acordo com a posição atual, semi-menchevique, do bloco oposicionista. Mas constatou-se que os meios utilizados para realizar esta tentativa são imprestáveis. Penso que são supérfluos quaisquer outros comentários a respeito.

continua>>>

Notas:

(47) Idem, tomo XVIII, pg. 254. (retornar ao texto)

(48) Idem, idem, pgs. 256-257. (retornar ao texto)

(49)Idem, tomo XIX, pg. 302. (retornar ao texto)

(50) Idem, tomo III, pgs. 1-535, 4ª edição russa, Moscou. (retornar ao texto)

(51) Idem, tomo XVIII, pg, 232. (retornar ao texto)

(52) Idem, tomo XXIII, pg. 9. (retornar ao texto)

(53) Idem, tomo XVIII. pgs. 232-233. (retornar ao texto)

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Inclusão 12/11/2008