Prefácio ao Primeiro Volume

J. V. Stálin


Fonte: J.V. Stálin – Obras – 1º vol., pg. 15 a 18. Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
HTML:
Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

capa

Os trabalhos incluídos no primeiro volume das Obras foram escritos durante o primeiro período de atividade do autor (1901-1907), quando a elaboração da ideologia e da política leninista ainda não estava concluída. Esta observação aplica-se, também, em parte, ao segundo volume das Obras.

Para compreender e avaliar devidamente estas páginas, é preciso considerá-las como trabalhos de um jovem marxista que não era ainda um marxista-leninista completamente formado. É, portanto, compreensível que, nestes escritos, tenham permanecido traços de algumas teses, posteriormente envelhecidas, dos velhos marxistas, que em seguida foram superadas pelo nosso Partido. Refiro-me a duas questões: à questão do programa agrário e à questão das condições da vitória da revolução socialista.

Como se verifica pelo primeiro volume (vejam-se os artigos sobre a Questão agrária), o autor sustentava, então, o ponto de vista da divisão das terras da nobreza fundiária, para dá-las em propriedade aos camponeses. No Congresso de Unificação do Partido, em que foi discutida a questão agrária, a maioria dos delegados bolcheviques "práticos"(1) aderiu ao ponto de vista da repartição, a maioria dos mencheviques era pela municipalização e Lênin, com os restantes delegados bolcheviques, era pela nacionalização da terra, mas no decorrer da luta entre os três projetos, quando se verificou que não se podia contar com a aprovação do projeto de nacionalização, Lênin e os outros favoráveis à nacionalização uniram seus votos aos dos defensores da repartição.

Os defensores da repartição apresentavam três considerações contra a nacionalização: a) os camponeses não aceitariam a nacionalização das terras patronais, pois queriam recebê-las em propriedade; b) os camponeses opor-se-iam à nacionalização porque a considerariam medida de abolição da propriedade privada das terras que já então eram propriedade privada dos camponeses; c) mesmo que se conseguisse superar a oposição dos camponeses à nacionalização, nós, marxistas, não deveríamos, entretanto, apoiar a nacionalização, porque, após a vitória da revolução democrático-burguesa, o Estado na Rússia não seria socialista, mas burguês, e a existência de um grande fundo de terras nacionalizadas, nas mãos do Estado burguês, fortaleceria desmesuradamente a burguesia, em prejuízo dos interesses do proletariado.

Além disso, os defensores da repartição partiam do pressuposto aceito pelos marxistas russos, inclusive os bolcheviques, de que, após a vitória da revolução democrático-burguesa, teria início um período, mais ou menos longo, de pausa da revolução, um período de intervalo entre a revolução burguesa vitoriosa e a futura revolução socialista, durante o qual o capitalismo teria a possibilidade de um desenvolvimento mais livre e poderoso, estendendo-se também à agricultura; a luta de classes se aprofundaria em toda a sua amplitude, a classe dos proletários aumentaria numericamente, a consciência e a organização do proletariado se elevariam ao nível desejado, e só depois de tudo isso seria possível atingir o período da revolução socialista.

Cumpre notar que esse pressuposto de um longo intervalo entre as duas revoluções não encontrou, no Congresso, qualquer objeção; além disso, tanto os defensores da nacionalização e os da repartição, quanto os da municipalização, consideravam que o programa agrário da social-democracia da Rússia deveria contribuir para o ulterior e mais poderoso desenvolvimento do capitalismo na Rússia.

Sabíamos nós, bolcheviques "práticos", que Lênin, naquele tempo, se colocava do ponto de vista da transformação da revolução burguesa na Rússia em revolução socialista, do ponto de vista da revolução ininterrupta? Sim, nós o sabíamos. Nós o sabíamos pelo seu opúsculo "Duas Táticas" (1905), assim como pelo seu famoso artigo "A atitude da social-democracia em face do movimento camponês", de 1905, no qual afirmava: "somos pela revolução ininterrupta", "não nos deteremos no meio do caminho". Mas nós, "práticos", não aprofundávamos a questão, nem empreendíamos sua grande importância, dado nosso insuficiente preparo teórico e dada, ainda, a indiferença própria dos práticos pelas questões teóricas.

Como é sabido, Lênin, por um motivo qualquer, não desenvolveu, então, nem utilizou no Congresso, para justificar a nacionalização, os argumentos da teoria de transformação da revolução burguesa em revolução socialista.

Não os teria utilizado, talvez, por não considerar ainda madura a questão e julgar que a maioria dos bolcheviques "práticos" no Congresso ainda não estivesse preparada para compreender e assimilar a teoria da transformação da revolução burguesa em revolução socialista?

Só algum tempo mais tarde, quando a teoria leninista da transformação da revolução burguesa na Rússia em revolução socialista se tornou a linha diretriz do Partido bolchevique, é que desapareceram do Partido as divergências sobre a questão agrária, porque ficou evidenciado que num país como a Rússia, onde as condições particulares de desenvolvimento criavam o terreno para a transformação da revolução burguesa em revolução socialista, o partido marxista não podia ter nenhum programa agrário que não fosse o programa da nacionalização da terra.

A segunda questão refere-se aos problemas da vitória da revolução socialista. Como se verifica no primeiro volume (vejam-se os artigos Anarquismo ou socialismo?), o autor se atinha então à tese, bem conhecida entre os marxistas, segundo a qual uma das principais condições da vitória da revolução socialista é a transformação do proletariado em maioria da população, e, assim sendo, nos países onde o proletariado não é ainda a maioria da população, devido ao insuficiente desenvolvimento do capitalismo, a vitória do socialismo é impossível.

Essa tese era então geralmente admitida entre os marxistas russos, inclusive os bolcheviques, assim como entre os partidos social-democratas dos outros países.

Mas o ulterior desenvolvimento do capitalismo na Europa e na América, a passagem do capitalismo pré-imperialista ao capitalismo imperialista, em suma, a lei, descoberta por Lênin, da desigualdade do desenvolvimento econômico e político dos diversos países, demonstraram que essa tese já não corresponde às novas condições de desenvolvimento, que a vitória do socialismo é plenamente possível em cada país onde o capitalismo ainda não atingiu o ponto culminante de seu desenvolvimento e onde o proletariado não constitui a maioria da população, mas onde a frente do capitalismo é assaz débil para ser derrubada pelo proletariado. Assim nasceu a teoria leninista da revolução socialista nos anos de 1915 e 1916.

Como é sabido, a teoria leninista da revolução socialista parte da premissa de que a revolução socialista vencerá não necessariamente nos países onde o capitalismo é mais desenvolvido, mas sim nos países onde, antes de mais nada, a frente do capitalismo é débil, onde o proletariado consegue mais facilmente romper essa frente e onde existe um nível, embora médio, de desenvolvimento do capitalismo.

Esgotam-se, com isso, as observações do autor relativamente aos escritos reunidos no primeiro volume.

Janeiro de 1946.

J. V. STÁLIN


Notas de fim de tomo:

(1) Os bolcheviques chamavam "práticos" os militantes que, no país, consagravam sua atividade a organizar o Partido e as massas trabalhadoras e a dirigir a atividade cotidiana. Por essa denominação distinguiam-se dos grupos que no estrangeiro se consagravam principalmente ao trabalho da elaboração teórica e política. (retornar ao texto)

 

pcr
Inclusão 28/05/2009