O Triunfo de Estaline(1)

Leão Trotski

25 de Fevereiro de 1929


Escrito: 25 de Fevereiro de 1929.
Primeira Edição: New York Times 1º de Março de 1929.
Fonte da Presente Tradução: CD Escritos de León Trotsky 1929-1940, C.E.I.P. León Trotsky. Dezembro, 2000, Buenos Aires, Argentina.
Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez, Novembro de 2008
HTML: Fernando A. S. Araújo, Novembro de 2008 .
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Estaline foi eleito secretário geral em vida de Lenine, em 1922. Nessa época o cargo tinha um caráter mais técnico que político. Contudo, nesse então Lenine já se opunha à candidatura de Estaline. Foi precisamente neste sentido que falou de um cozinheiro amante dos pratos picantes. Porém cedeu ante as posições de outros membros do Buró Político, ainda que com escasso entusiasmo. "Provaremos e veremos."

A enfermidade de Lenine provocou uma mudança total na situação. Até esse momento ele, à cabeça do Buró Político, tinha nas suas mãos a alavanca central do poder. O segundo nível de trabalho, a posta em prática das resoluções principais, foi confiado ao secretário geral Estaline. Todos os demais membros do Buró Político se ocupavam das suas respectivas funções específicas.

Ao desaparecer Lenine da cena, a alavanca central caiu automaticamente em mãos de Estaline. Considerou-se que era uma situação provisória. Ninguém propôs mudança alguma, porque todos esperavam uma rápida recuperação de Lenine.

Durante essa época Estaline se moveu febrilmente para escolher os seus amigos e fazê-los escalar posições no aparato. Quando Lenine se recuperou de seu primeiro ataque e voltou por um tempo ao trabalho, em 1922-1923, ficou horrorizado ao ver até que ponto se tinha burocratizado o aparato e quão omnipotente parecia em relação à massa partidária.

Enquanto insistia em que fosse eu seu substituto no Conselho de Comissários do Povo, Lenine discutiu comigo a forma de travar uma luita conjunta contra o burocratismo de Estaline. Havia que fazê-lo de maneira tal que o partido sofresse a menor quantidade possível de convulsões e choques.

Mas a saúde de Lenine voltou a piorar. No seu chamado testamento, escrito em 4 de Janeiro de 1923, aconselhou insistentemente o partido que se sacasse Estaline do poder central devido a sua deslealdade e sua tendência ao abuso do poder. Porém uma vez mais Lenine teve que ir de novo a seu leito de enfermo. Renovou-se o acordo provisório de manter Estaline no leme. Ao mesmo tempo, as esperanças de que Lenine se recuperasse se desvaneciam rapidamente. Ante a perspectiva de que deveria abandonar definitivamente o seu trabalho, foi plantado outra vez o problema da direção do partido.

Nesse momento, as diferenças de tipo principista ainda não cristalizaram. O grupo dos meus adversários tinha um carácter puramente pessoal. O santo e senha de Zinoviev, Estaline e Cia. era: "Não permitamos que Trotski assuma a direção do partido." No transcurso da luita posterior de Zinoviev e Kamenev contra Estaline, os segredos deste período anterior foram revelados polos mesmos protagonistas da conspiração. Porque se tratava de uma conspiração.

Se criou um Buró Político secreto (o Setemvirato) integrado por todos os membros do Buró Político menos eu, com o agregado Kuibishev, no tempo presente presidente do Conselho Supremo da Economia Nacional. Todos os problemas se resolviam de antemão neste centro secreto, cujos integrantes estavam juramentados. Acordaram não polemizar entre si e ao mesmo tempo procurar oportunidades para atacar-me. Nas organizações locais existiam centros semelhantes, vinculados ao Setemvirato de Moscovo por uma rígida disciplina. Comunicavam-se através de códigos especiais. Tratava-se de um grupo clandestino, bem organizado, no seio do partido, dirigido em princípio contra um homem. As pessoas destinadas a ocupar cargos de responsabilidade no partido e no estado eram escolhidas segundo um critério único: a oposição a Trotski.

Durante o dilatado "interregno" criado pola enfermidade de Lenine, este trabalho se realizou sem pausa, mas ainda em forma cautelosa e oculta, de jeito que, na eventualidade de que Lenine se recuperasse, as pontes minadas se dessa maneira se engendrou um novo tipo de arrivismo, que mais tarde adquiriu o nome público de "antitrotskismo". A morte de Lenine deixou-lhes as mãos livres aos conspiradores e lhes permitiu sair à luz.

Os militantes do partido que alçavam a sua voz para protestar contra a conspiração, viam-se submetidos a ataques arteiros com os pretextos mais descabelados, muitas vezes inventados. Por outra parte, certos elementos moralmente instáveis, desses que nos cinco primeiros anos do poder soviético houvessem sido expulsos implacavelmente do partido, agora adquiriam sua apólice de seguro em troca de algumas observações hostis a respeito de Trotski. A partir de fins de 1923 começou-se a realizar esse mesmo trabalho em todos os partidos da Comintern: alguns dirigentes foram destronados e outros ocuparam seus postos unicamente em virtude de sua atitude ante Trotski. Realizou-se um processo de seleção árduo e artificial, não se elegia os melhores, mas os mais acomodados. A táctica geral consistia em substituir pessoas independentes e talentosas por medíocres que deviam a sua posição exclusivamente ao aparato. E a máxima expressão dessa mediocridade de aparato chegou a ser o próprio Estaline.

Até fins de 1923 as três quartas partes do aparato já estavam escolhidas e alienadas, prontas para levar a luita à base do partido. Tinham-se preparado armas de todo o tipo e só se aguardava o sinal para atacar. Então deu-se o sinal. As duas primeiras campanhas de "discussão" contra mim, no outono de 1923 e no de 1924, coincidiram com épocas em que eu me encontrava enfermo, o que me impedia de falar ante as reuniões partidárias.

Sob a furibunda pressão do Comitê Central, as bases começaram a ser atacadas de todos os ângulos de uma vez. As minhas velhas diferenças com Lenine, anteriores não só à revolução mas também à guerra mundial, e desaparecidas havia muito tempo no nosso trabalho conjunto, sacavam-se a súbitas à luz do dia, distorcidas, exageradas, e as apresentava ante as bases partidárias novas como se se tratasse das questões mais prementes. As bases ficaram desconcertadas, em mau estado, intimidadas. Ao mesmo tempo, começou-se a empregar num degrau mais baixo o método de seleção de pessoal. Agora já não se podia ocupar um posto de administrador de fábrica, secretário de um comitê de oficina, presidente de comitê executivo de um condado, portador de livros ou secretário de actas se não se possuíam credenciais de antitrotskismo.

Evitei esta luita enquanto me foi possível, já que não era mais que uma conspiração sem princípios dirigida contra minha pessoa, ao menos nas suas primeiras etapas. Para mim estava claro que essa luita, apenas se estalasse, adquiriria inexoravelmente um caráter muito grave e, nas condições criadas pola ditadura revolucionária, poderia ter conseqüências perigosas. Não corresponde discutir aqui se foi acertado tratar de manter um terreno comum sobre o qual pudesse trabalhar conjuntamente, ao preço de enormes concessões pessoais, ou se eu deveria ter assumido a ofensiva desde o princípio, apesar de carecer de motivos políticos suficientes como para realizar semelhante acção. O certo é que escolhi aquele caminho e, apesar de tudo, não me arrependo. Há triunfos que conduzem a becos sem saída, e há derrotas que abrem novos caminhos.

Inclusive depois de que as profundas diferenças políticas saíram à luz, deslocando a intriga pessoal a um segundo plano, tratei de manter a pugna dentro dos marcos de uma discussão principista e de evitar ou impedir que se forçasse uma decisão, para permitir assim que as opiniões e prognósticos em conflito pudessem corroborar-se à luz dos factos e das experiências.

Em compensação, Zinoviev, Kamenev e Estaline, o que ao princípio se ocultava atrás dos dous primeiros, trataram com todas as suas forças de forçar uma decisão. Não tinham o menor desejo de que o partido tivesse tempo de meditar sobre as diferenças e corroborá-las à luz da experiência. Quando Zinoviev e Kamenev romperam com Estaline, este automaticamente dirigiu contra eles a mesma campanha de calúnias anti "trotskistas", com toda a sua abrumadora força de inércia, que os três tinham desenvolvido juntos durante um lapso de três anos.

Esta não é uma explicação histórica da vitória de Estaline, mas um mero esboço de como se conseguiu a essa vitória. Tampouco se trata de um protesto contra a intriga. Uma linha política que procura as causas da sua derrota nas intrigas do seu adversário é uma linha cega e patética. A intriga é um aspecto técnico específico da realização de uma tarefa; só pode desempenhar um papel subordinado. O que resolve os enormes problemas da sociedade é a acção das grandes forças sociais, não as manobras mesquinhas.

O triunfo de Estaline, com toda a sua instabilidade e incerteza, é a expressão de mudanças importantes que se tem produzido nas relações entre as classes na sociedade revolucionária. É o triunfo ou semitriunfo de determinadas camadas ou grupos sobre outros. É o reflexo das mudanças produzidas na situação internacional no transcurso dos últimos anos. Mas estes problemas são de tal envergadura que requerem uma análise especial.

A esta altura só se pode dizer uma cousa. A imprensa mundial, hostil ao bolchevismo, apesar de todos os erros e confusões que contém sua avaliação das distintas etapas e acontecimentos da luita interna na URSS, conseguiu em geral chegar ao miolo social dessa luita: a vitória de Estaline é a vitória das tendências mais moderadas, conservadoras, burocráticas, partidárias da propriedade privada e estreitamente nacionalistas, sobre as tendências que apóiam a revolução proletária internacional e as tradições do Partido Bolchevique. Nesse sentido não tenho a menor queixa a respeito dos louvores do realismo estalinista que aparecem, com tanta freqüência na imprensa burguesa. Até que ponto será sólido e duradouro esse triunfo, e qual será o rumo futuro dos acontecimentos, é farinha dum outro saco.


(1) Nota da edição do CEIP: O triunfo de Estaline, de Jto i Kak Proizoslo? Traduzido [para o inglês] para este volume [da edição norteamericana] por George Saunders. Apareceu outra tradução no New York Times de 1º de Março de 1929 (Trotski revela a origem da sua queda) e em outros jornais.

Este texto foi uma contribuição do
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Inclusão 25/11/2008